quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A criança que fui chora na estrada


A criança que fui chora na estrada.

Deixei-a ali quando vim ser quem sou;

Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.

Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,

Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.


(F. Pessoa)

terça-feira, 27 de outubro de 2009

e Neruda rasgou o verbo





Dois...
Apenas dois.
Dois seres...
Dois objetos patéticos.
Cursos paralelos...
Frente a frente...
...Sempre...

A se olharem...
Pensar talvez: “Paralelos que se encontram no infinito...”

No entanto, sós, por enquanto.
Eternamente dois apenas. (Pablo Neruda)

domingo, 25 de outubro de 2009


...é sem palavras mesmo...
como uma saliva, de cheiro aconchegante
um abraço achado
e um por-dizer carregado e suave
uma brisa no rosto
e um leve calor...





sabe como? Não me entendo, não saberei explicar mais do que isso...
já cuidou de alguém à distância?

não?
mais ainda...: foi cuidado?

se não... não vivestes...
mas ainda há tempo

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Antes o ódio de amar que a felicidade de mágoa.

Espremer a imperfeição, colher teu suplício cego.

Nadar no crepúsculo hediondo de seu olhar.

Antes contorcido na ação

Sentir as costelas delimitarem o pulmão exausto

Admirar o pecado senhora, como se admira um sorriso de

Criança

Correr com a malícia de nossos pequenos nas veias

Sermos felizes com o mais terrível e perigoso amor ao mundo

Ter a lucidez dos doentes e a leveza de quem se foi

Abraçar a existência e seja o que quisermos

terça-feira, 20 de outubro de 2009

"A Terra é redonda porque eu vi"


O avião russo Ilyushin faz movimentos em forma de parábola, fazendo com que os tripulantes experimentem uma sensação de gravidade zero. Não sei precisar a que altitude ele alcança...
Mas é o suficiente para poder observar a curvatura da Terra.

Lembro-me de que um professor de física disse que gastou enorme quantia para andar neste avião- ele foi à Rússia para isso. A princípio todos acharam que era uma loucura... tamanha cifra -não me recordo quanto- para um "passeio".

Mas ao ouvi-lo dizer com tamanha paixão: "a Terra é redonda porque eu vi! Não me contaram... não teve que fazer sentido. Eu vi a curva dela. Eu vi, com os meus olhos!"

Eu o compreendi...

Às vezes é necessário descansar o córtex imaginativo.... e lançar o presente impresso, de maneira direta no hipocampo, e reverberar por todo o corpo. É nas vísceras que somos sinceros. Na arritmia. Não se pode mentir nem a si mesmo assim.

E talvez, também por isso eu quero ir ao Kilimanjaro. As neves eternas têm prazo de validade curto agora... Posto que este planeta é chama. Mas que seja infinita enquanto dure em minha boca. Isso mesmo. Quero comer a neve do Kilimanjaro. E quero assim poder dizer aos meus filhos: "havia neve na Africa, e não me contaram... Eu a comi. Havia porque eu comi."

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

O dia em que o lobo comeu as palavras


Ele amou, uma fêmea inquieta, indecifrável,

Demasiada animal

palavras

inatingível...

Imprevisível

No começo o encanto, empatia...

Vida silvestre, amor de raposa...

Escondeu-se.

Silencio e dor...

Palavras, esperança e dúvida.

Pois que saibam:

Ele também saber ser animalesco

Resoluto, decidiu

Agora basta

Haverá um abraço, físico, real.

Se for o ultimo... será. Mas haverá.

Real.

De ossos, de sangue e de carne.

Ele sabe ir embora, mas não sabe mais esperar.

De pêlos em riste, tal um lobo raivoso.

Mordo as tuas e minhas palavras.

Comerei também imaginações e suposições, ficará com lembranças de fatos ocorridos ao invés disso.

O lobo saiu de casa hoje.

E só retorna com uma resolução mamífera.



Desaparecido!

Foto: Mark Pardew
Bombeiro: Daivd Tree
Coala: ...



Desaparecido.

Procura-se um amor.

Amor jovem, de crescimento antigo.

Saiu de casa em outubro.

Atende por vários nomes,

de Toddi a Shake, palavras que podem chamar-lhes a atenção são várias...

Tem caráter ingênuo, irrequieto e altivo.

Pangeográfico pode ser encontrado em quatro continentes, somente não fora avistado ainda na Oceania*.

A Interpol foi acionada, mas contamos com a cooperação de todos.

Está ferido e necessita de brisa.

Reporta-se que tem se alimentado de silêncio e pode haver alguma melhora em seu quadro;

Suspeita esta sem confirmação oficial ainda.

Valor imensurável...

Remunera-se este Amor com amor.







*Errata: como prova em foto, fora avistado na Austrália... o que conta como Oceania...

ps: O ministério do Meio Ambiente informa: não dê cookies aos coalas, a glicose lhes deixam imprevisíveis!

terça-feira, 13 de outubro de 2009

O casal silencioso





* Esta história possui várias versões mundo afora, desde o Siri Lanka à Escocia...






Era uma vez um rapaz e uma moça. Ambos eram conhecidos por serem brilhantes altivos, ousados e teimosos. Em verdade, seriam os que mais ostentavam estas características na cidade. Por obra do acaso e do arbítrio acharam logo de se apaixonarem e se casaram. Ofereceram, pois uma grande festa na nova casa.

Quando todos os convidados foram embora os jovens recém casados estavam exaustos e prostrados em duas poltronas. O ultimo convidado deixou a porta da frente aberta. Era inverno e fazia frio, um vento incômodo adentrava a sala.

_Querida, será que você poderia fechar a porta?

_Ah amor, eu ia te pedir o mesmo... estou tão cansada, feche você.

_Então é assim que serão as coisas? Bastou colocar o anel no dedo e você se tornou uma grande preguiçosa?

_Não acredito no que estou ouvindo!

Discutiram, sem perspectiva de acordo, até que a esposa propôs:

“Aquele que falar primeiro fechará a porta!”

_ É a primeira boa idéia que ouço de você hoje. Assim será!

Então os dois permaneceram em silêncio na sala.

Percebendo a porta aberta dois ladrões adentraram por ela. Observaram a casa recém decorada. Fitaram com estranheza o casal. Mas como não se moviam ou reagiam, os ladrões sentiram-se encorajados e tranqüilos. Retiraram calmamente objetos de valor. Depois começaram a levar os móveis.

“Não acredito que ela não vai se pronunciar!”- pensou o noivo.

“Estão levando tudo o que nos é precioso! Ele não reage?” – pensava a noiva.

Ambos mantiveram-se firmes em seus votos de silencio. Porém, ainda mais ressentidos.

O sol se avizinhava do horizonte. Os primeiros raios iluminavam o chão da sala agora, completamente vazia. Um policial que passava pela rua percebeu a casa de sala vazia e porta aberta. Entrou buscando uma explicação e se deparou com o casal...

_ Bom dia senhores! Vocês moram aqui?

Sem resposta tornou a perguntar sobre os móveis, sobre o porquê de estarem ali e...

_ Insolente! Não vês que sou a Lei aqui? Como ousa fitar-me em silêncio quando lhe faço uma pergunta?

O policial ergueu a mão para esbofetear a face do noivo.

_ Não se atreva! – Bradou a mulher levantando-se num pulo - Este homem é meu marido. Esta é nossa casa! Se encostar um dedo nele vai ter que se ver comigo.

_ Ahá! Ganhei! – gritou o marido batendo palmas - Vá fechar a porta mulher.









quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Gravata e Kilimanjaro


Um conto de uma casa que (ainda?) não tivemos

Parte 1: Gravata e Kilimanjaro

Era sexta feira, saia da empresa de roupa já amassada. A semana havia sido massacrante, por onde diabos anda a dignidade profissional? E para completar este calor, cada vez mais castigante. Atravessava as ruas, pessoas passavam umas pelas outras, absortas em seus próprios mundos, não se notam. É como se soasse os sinos do recreio de uma escola católica. Um estouro de boiada, a gritar, clamando pela vida estrangulada no silêncio frio de uma sala de aula. Mas eu já não era mais criança, não como antes. Meu destempero esperançoso estava cada vez mais arrefecido a cada sexta feira, a cada década. Clausura... escafandro e a borboleta... E contas... De onde vêm? O ar me faltava ao pensar em dinheiro...

No degrau da escada de casa o jornal enrolado. Não havia chegado a tempo. Sentei-me ali, antes de entrar e abri-o. As notícias parecem-se cíclicas... Mas... uma delas me chocou: o Monte Kilimajaro não tem mais neve alguma! No Inverno deste ano cientistas observaram atônitos que o inevitável havia se antecipado: não houve sequer uma formação de gelo! Aquilo me enervou de tal maneira que...

Andando em círculos ensaiei um discurso sobre o velho tema do... aquecimento global! Mas que....! Uma bactéria se demora milhões de anos para defecar um tiranossauro e nós colhemo-no como um ouro negro e ... Ah! Diabos! Eu nunca fui lá! As neves eternas do Kilimanjaro não são tão eternas assim não é?

Ao que notei ser observado pelo cão... Giggio, vulgo Mequerefe. “Que foi? Acaso eu também não posso latir?” Entortara a cabeça com quem tenta compreender caninamente... Aquilo me acalmou....

Mas... eu nunca fui lá! E... acabou-se! Escafandro.... por diabos!

Adentrei... mãos trêmulas, taquicardia e ansiedade de anos...

Ela veio em minha direção e... para minha surpresa, estávamos bem! Ela estava bem! Eu indaguei-me: carinho? Dela?Hoje?

A quebra da expectativa me deixou um tanto quanto desconcertado, mas... que bom... O amanhecer de uma rixa é como testemunhar um milagre.